ONU aceita sacrificar metade do mundo para salvaguardar lucros~ 7 min

Por Nguyen

Desde segunda-feira de 23 de Setembro de 2019 que muitos teclados estão a ser furiosamente martelados para falar da cimeira do clima da ONU. Pouco tem sido escrito sobre o que foi decidido. Ou seja, até 2050 podemos continuar a aumentar ou manter a quantidade de dióxido de carbono e outros gases que potenciam as alterações climáticas. O acordo de Paris é para respeitar e vamos tentar manter o aquecimento abaixo dos 1,5ºC.

Para quem tem estado desatento, isto é absurdo, ridículo e criminoso. Condena uma boa parte da população mundial à morte e pobreza extrema, outra parte a verem os locais onde vivem desaparecer e contribuirá para o aumento da fome e sede mundiais. Mas como a maior parte das vítimas são e continuarão a ser (pelo menos a curto, médio prazo) não-brancas, então está tudo bem.

Comecemos pelo argumento mais difícil de desfazer. Manter o aquecimento global abaixo dos 1,5ºC até 2050. A própria ONU reconhece que alguns pontos de desestabilização já foram atingidos, os quais estão a causar maior instabilidade e catástrofes climáticas. Em 2018, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) lançou um relatório onde indicava que seria crucial que várias nações implementassem medidas mais radicais até 2020 para reduzir as alterações climáticas. Nada que se pareça foi implementado.

O relatório foi criticado por ser demasiado conservador nas suas conclusões, até porque apresenta dados que sugerem outro cenário. Indica que as medidas do acordo de Paris são insuficientes para que o aumento da temperatura global fique pelo 1,5ºC. Mostra que as emissões de CO2 têm que diminuir em 45% até 2030 para que se consiga manter o aquecimento em 1,5ºC. Deixar as emissões continuarem como estão ou aumentarem pode levar o mundo a um aquecimento global de 3 a 4ºC.

Na realidade, o acordo de Paris nunca passou de assinaturas em papel molhado. Sendo que este novo acordo partilha o principal problemas do COP21. Ou seja, se ninguém cumprir, o máximo que acontecerá é que podem ralhar muito uns com os outros nas TVs.

Consequentemente, as alterações climáticas têm intensificado e agravado nos últimos anos. Mesmo assim, aqui ficam alguns dados sobre as grandes vitórias destes magníficos tratados.

Um rol de triunfos

Julho de 2019 foi o mês mais quente desde que há registos de temperaturas. O período entre 2014 e 2018 corresponde aos 5 anos mais quentes alguma vez registados. No top 10 dos anos mais quentes de sempre, só 1998 não pertence ao século XXI.

Já no que diz respeito às emissões de dióxido de carbono e outros gases do efeito de estufa, é importante lembrar que estes estão a acumular-se na atmosfera. São estes gases que provocam o aquecimento global e as alterações climáticas. Em 2017, as emissões de dióxido de carbono aumentaram 1,6% mundialmente e em 2018 aumentaram 2,7%. De notar que o dióxido de carbono e os outros gases do efeito de estufa ficam na atmosfera por períodos variáveis de alguns anos, até milhares de anos. Desde 2007 que as emissões de metano aumentaram e cresceram de forma ainda mais rápida a partir de 2014. O metano é um gás de estufa 30 vezes mais potente que o dióxido de carbono.

As alterações climáticas já começaram e os seus efeitos iniciais já se fazem sentir. A onda de calor que atingiu a Europa em Julho matou 1435 pessoas em França. Em Portugal, em Outubro, estamos perante um novo cenário de seca. Não conhecemos números exactos das fatalidades causadas pela onda de calor que atingiu a Índia, mas o New York Times indica pelo menos 36 mortos. E mais, a epidemia de encefalite, que foi causada ou agravada pela onda de calor, matou pelo menos 100 crianças. E várias são as pessoas que ficaram feridas em lutas ao tentarem obter água nos centros de distribuição instalados pelo governo.

Também na Índia, cheias provocadas pelas monções extremamente chuvosas mataram mais de 1000 pessoas e desalojaram 1,2 milhões de pessoas. Inundações em Espanha mataram 6 pessoas e desalojaram mais de 440. Outra cheia que começou no Bangladesh levou ao desalojo de 200 mil pessoas neste país, à morte de 97 pessoas na Índia e 67 mortes no Nepal.

Tuvalu, um país no oceano Pacífico, está em risco de desaparecer devido ao aumento do nível médio de águas. O mesmo acontece com as Ilhas Marshall e outros países do Pacífico. No Peru, chuvas torrenciais mataram 39 e afectaram 8299 pessoas, destruíndo estradas, pontes e escolas. Na Bolívia, 31 mortos e 23 000 famílias foram afectadas por chuvas e inundações. Na África do Sul, o mesmo fenómeno matou 70 pessoas e desalojam mais de 1000. 

O furacão Dorian provocou a morte de 53 pessoas nas Bahamas. 70 000 pessoas ficaram desalojadas. A população das Bahamas é de 391 mil pessoas, o que significa que 17% da população ficou sem abrigo em dias. Moçambique foi atingido por 2 ciclones este ano, uma estreia na sua história. Os ciclones Kenneth e Idai, mataram 600 pessoas e afectaram mais de 160 000. No sudeste asiático névoas de poluição afectam vastas áreas e países todos os anos; na Indonésia o céu ficou vermelho. No México, o furacão Michael matou 35 pessoas. Em Porto Rico, 2975 pessoas foram mortas pelo furacão Maria.

Fogos e secas espalham-se pelo mundo, colocando em risco milhões de vidas. Jordânia, Somália e Paquistão enfrentam secas severas, que se prolongam há anos. Fogos gigantescos afectam o Brasil, Indonésia e a zona subsariana. A Califórnia, nos EUA, também enfrentou grandes fogos florestais. Zonas mais frias foram também anormalmente afectadas por fogos florestais, tais como a Sibéria (na Rússia), no Alasca (nos EUA) e o estado de Alberta (no Canadá).

Na Gronelândia, o degelo está a ser muito mais rápido do que o esperado, estando ao nível que se esperava para 2070. No Árctico, o gelo continua a diminuir de forma contínua. O mesmo sucede no Antárctico. De lembrar que o estudo do IPCC de 2018 foi considerado demasiado conservador nas suas conclusões e não tinha em conta os dados do degelo deste ano. O pré-relatório de 2019 aponta que a situação se está a deteriorar mais rápido do que o esperado.  

Portanto, se em 2018 já era demasiado tímido em assinalar a urgência da situação, em 2019 podemos dizer que está ainda mais desfasado desta nova realidade, que aponta para um cenário mais grave do que o previsto.

Não se preocupem, no entanto. A ONU, as nações do Ocidente e os grandes capitalistas estão dispostos a sacrificar todas estas e mais vidas até 2050. António Guterres claramente pretende mais capitalismo, mais dinheiro, fundos e empresas privadas envolvidas na “solução”, mas com uma campanha de marketing ecologista.

O modelo de produção capitalista vai gerar ainda mais milhares (ou talvez milhões) de mortes e desalojados, mas não se pode pô-lo em causa. Nós teremos mais 30 anos para ver as nossas vidas serem desfeitas, casas inundadas, estradas e transportes arrasados e sabe-se lá que futuro terão as crianças e jovens de hoje. Se queremos minimizar os efeitos das alterações climáticas e garantir a sustentabilidade das nossas vidas, urge mudar de sistema. Não há soluções dentro do capitalismo, só para lá dele.

Gostaste do artigo? Considera subscrever a newsletter. Permite-nos chegar a ti directamente e evitar a censura das redes sociais.

Sigam o nosso trabalho via Facebook, Twitter, Youtube, Instagram ou Telegram; partilhem via os bonitos botões vermelhos abaixo.

Right Menu Icon