Portugal // Luta abolicionista saiu à rua no 8M de Lisboa~ 6 min
Por Duarte Guerreiro e Simone Vieira
Mulheres voltaram a sair à rua, naquela que foi mais uma Greve Feminista Internacional contra a violência machista. Uma greve social ao trabalho assalariado, ao trabalho doméstico e ao trabalho reprodutivo ou trabalho dos cuidados.
Em Lisboa, a Greve Feminista foi convocada pela Rede 8 de Março, constituída por vários coletivos, associações, sindicatos e organizações políticas. Uma plataforma que, por ser tão diversa, agrega em si várias perspetivas sobre o feminismo e a forma como se deve construir a revolução feminista.
Este ano, a urgência em desconstruir a ideia de que a prostituição é uma escolha e uma forma de empoderamento feminino levou a frente abolicionista a sair à rua. Em resposta aos defensores do regulamentarismo, a Assembleia Feminista de Lisboa e as Livres e Combativas (plataforma feminista conjunta do Sindicato de Estudantes e da Esquerda Revolucionária) uniram-se para formar um bloco pela abolição da prostituição. Por entre os chapéus-de-chuva vermelhos dos sectores ligados ao Bloco de Esquerda e seus satélites, o bloco abolicionista veio para romper com o processo de neoliberalização que se instalou no movimento feminista português e que se recusa a ver na prostituição um problema estrutural de violência contra as mulheres.
Noutros países, várias frentes abolicionistas foram alvo de violência, no que é um claro sinal da ameaça que estas mulheres representam para o sistema patriarcal. Deixamos o testemunho de Adriana Sthiago, da Rede Europeia de Mulheres Migrantes (ENoMW), sobre os ataques sofridos pelo movimento abolicionista em Bruxelas, Paris e Madrid:
Estou furiosa. Estou a ferver de raiva perante a violência que eu e muitas irmãs em luta sofremos neste último Dia Internacional dos Direitos da Mulher. Não vou me alongar sobre o facto deste dia se ter tornado uma celebração e uma festa ridícula, na vez de um evento anual – merecemos uma festa diária, por todas as merdas que temos de suportar todos os dias e desde há séculos – no qual reivindicamos os nossos direitos como cidadãs de primeira classe. Como mais de metade da população. Mas vou deixar as minhas críticas sobre o twerking ao som de “Ni Una Menos” e “El Violador eres tú” para outra ocasião.
Estou furiosa com a passividade e a indiferença das ditas “irmãs” que ganharam destaque quando as abolicionistas foram atacadas. Enfurecida com a falta de reação perante as ameaças de morte e a violência verbal e física de que as ativistas abolicionistas foram alvo. Onde estás tu quando precisamos de ti? Tanto “poder feminino” e tão pouca solidariedade. Parece que a irmandade só existe quando tu concordas com a mulher em questão.
Ontem, na Marcha das Mulheres em Bruxelas, as activistas do lobby a favor da prostituição cantaram, ao verem os nossos sinais: “mort aux abolitionnistes, mort aux fascistes”. MORTE para as abolicionistas, morte para as fascistas. Ninguém olha de frente. Todos olham confusos e continuam na sua pequena e feliz marcha. Yuhhh, Dia da Mulher! Feliz dia para ti! Mas não para aquelas abolicionistas fascistas, aquelas merecem estar mortas. Senti o sangue a esfriar quando um deles sussurrou isso no meu ouvido. Eu tinha sido avisada. As irmãs belgas e eu continuámos a marchar, embora em estado alerta. Havia sobreviventes da prostituição connosco também. Essas sobreviventes tiveram que aguentar a violência enquanto estavam no comércio sexual, e agora que estão fora desse comércio, tẽm de suportar a violência nas ruas de Bruxelas. A violência nunca dorme, e parece que a do lobby dos proxenetas sofre de insónias.
Mas não foi só isto. Infelizmente, tal não se compara em nenhum grau com o que as irmãs da Collectif Abolition PornoProstitution – CAPP passaram em Paris. Uma sobrevivente do comércio sexual e uma militante abolicionista foram esmurradas e chutadas nas costas e no rosto, e a Antifa roubou-lhes o cartaz. Elas estavam, aparentemente, a ser “confundidas” com um grupo de extrema-direita – o que me parece muito improvável, já que elas exibiam um cartaz a sinalizar mulheres que se perderam para a prostituição. Uma das activistas tem um trauma facial e lombar. Em Toulouse, uma sobrevivente do comércio sexual e do incesto foi intimidada e riram-se dela por ter um cartaz abolicionista. A Antifa também tentou ficar com o seu cartaz.
Em Madrid, as companheiras foram agredidas verbal e fisicamente, pelo que parecia ser um bloco PARAMILITAR (desculpem a ligação, mas de que outra forma posso descrever uma facção do colectivo 8 Marzo que foi convocada para agir “caso as feministas radicais atacassem”?), só porque tinham um incrível bloco abolicionista. Os transativistas usaram FACAS para cortar a faixa das abolicionistas, distribuíram socos no rosto e no estômago das mulheres, atacaram mulheres mais velhas e impediram outras ativistas de registrar o que estava a ser feito. Os transativistas pisaram as faixas, boicotaram os seus cânticos com reggaeton, e a lista de incidentes continua. Foi brutal. Confirmem tudo isto no Twitter, procurando por #8MTransAgresivo.
A Nova Misoginia está aqui, mas estás demasiado cega para te aperceberes disso. Enquanto as ativistas abolicionistas marcham sem recorrerem à violência, porque sabemos melhor do que ninguém o que significa impor a outras MULHERES o que o sistema patriarcal global nos impõe todos os dias, as companheiras supostamente “feministas” olham para o lado. Elas não nos protegem. Estão demasiado ocupadas a serem servas do patriarcado. Sim, MULHERES sem asterisco. Mulheres resistentes. Mulheres organizadas. Mulheres zangadas. Mulheres magoadas, mas ainda assim mulheres. Não nos estamos a esconder. Nós estamos aqui. Estamos a sofrer uma violência contínua, praticada tanto por homens como por mulheres. Porque em todas as situações que descrevi antes, tanto os homens como as mulheres o fizeram.
Em todos estas situações, as ameaças de morte e agressão às abolicionistas foram consideradas justificadas.
O violador pode ser ele, mas a cúmplice és tu.
Em Lisboa registraram-se algumas tentativas de provocação verbais, mas a situação não escalou fisicamente.