Itália // Sindicatos lutam pela suspensão de actividades não essenciais~ 5 min
Por Francisco Norega
Foi preciso a Itália chegar aos 60 mil casos de coronavírus e mais de 5 mil mortos para ser anunciada a paragem das actividades económicas não essenciais. Apesar de a 9 de Março ter sido decretada uma quarentena nacional e impostas um sem número de restrições à liberdade individual na tentativa de controlar a propagação do coronavírus, milhares de pessoas continuaram até ontem a ter que ir trabalhar em sectores não essenciais. Estimam-se que só na área de Milão (uma das mais afectadas) cerca de 300 mil pessoas continuaram a ter que se deslocar para trabalhar em sectores não essenciais. Durante estas duas semanas, tiveram que pôr a sua saúde e a das suas comunidades em risco apenas para que os seus patrões pudessem continuar a encaixar lucros.
Nas indústrias pesadas (mecânica, metalurgia e siderurgia) eclodiram várias greves espontâneas e em vários locais de trabalho as bases conseguiram obrigar as direcções sindicais da CGIL (uma das principais centrais sindicais) a convocar greves. Ao mesmo tempo, foram organizadas greves pelas forças sindicais combativas, como os sindicatos SI Cobas e ADL Cobas, com forte presença em empresas de distribuição e entregas ao domicílio (como a TNT e a Fedex).
Estas foram greves localizadas e, por isso, sem reivindicações gerais, mas unem-nas as preocupações com a falta de material protector para os trabalhadores e o incumprimento de protocolos e medidas de contenção relativas ao coronavírus. Estas são questões especialmente preocupantes para operários fabris que partilham o local de trabalho com centenas de companheiros e companheiras e para os trabalhadores das empresas de distribuição que, sem material protector, estão em contacto com um grande número de pessoas em cada turno.
Numa tentativa de parar as greves e acalmar a agitação que se gerou entre a classe trabalhadora, a 14 de Março, as maiores centrais sindicais (onde se inclui a CGIL) assinaram um memorando de normalização com o governo e os patrões. Apesar disso, continua a existir um clima de agitação e o encerramento das fábricas e empresas que não são realmente essenciais tem ganho cada vez mais espaço no debate público. É difícil negar que a movimentação diária de milhares de trabalhadores para fábricas e empresas seja uma das razões para que ainda não tenha havido uma redução dos contágios. Graças à ganância de um punhado de empresários e industriais e à reticência das autoridades em tocarem na sacrossanta produção, os números vindos de Itália têm vindo a bater recordes quase todos os dias, tanto nos novos casos como nas mortes.
O governo foi pressionado nos últimos dias a tomar uma posição de força pela ameaça de greve geral da CGIL e outras centrais maioritárias. No entanto, tem-se mostrado bastante reticente em ir contra os interesses da poderosa organização dos patrões, a Confindustria. Ontem, finalmente, foi decretado o encerramento de todas as actividades económicas não essenciais. De fora ficam supermercados, farmácias, correios, bancos, quiosques e tabacarias, bem como certos “sectores estratégicos”, sem se especificar quais.
Do que conseguimos perceber, entre eles estão não só a produção agrícola mas também fundições e metalúrgicas (para satisfação dos industriais da Confindustria) bem como serviços de entrega de comida como a JustEat e a UberEat. Segundo vários relatos, diferentes empresas e fábricas enviaram circulares aos trabalhadores a esclarecer que o seu local de trabalho é uma “infra-estrutura crítica” – desde fábricas que produzem componentes para companhias aéreas até, pasmem-se, fábricas que produzem máquinas de contar dinheiro para os bancos.
Precisamente por o decreto conter uma lista de excepções “demasiado extensa, a cobrir áreas de importância dúbia”, os três maiores sindicatos de metalúrgicos da região de Lombardia convocaram uma greve para quarta-feira em todas as fábricas que não estejam directamente ligadas com o sector da Saúde. Os trabalhadores da indústria química também já se juntaram à convocatória de greve. Os bancários, por seu lado, ameaçam uma greve nacional por continuarem a ser obrigados a trabalhar sem condições de segurança, sem máscaras ou luvas e com quantidades insuficientes de gel antiséptico. Já esta segunda-feira, houve greves em várias fábricas ligadas ao sector da aviação.
Esta não só não é uma verdadeira suspensão de todas as actividades não essenciais como já vem tarde. Vem tarde para todos aqueles que já nos abandonaram, para as heróicas equipas que não páram nos hospitais, já tão sobrelotados, e que já chegaram ao ponto de ter de escolher quem salvam. Que sirva ao menos de lição às outras sociedades que ainda têm hipótese de não chegar à mesma situação de Itália. Nesta batalha ou se escolhe a nossa saúde colectiva, ou se escolhe satisfazer os interesses do capital.