Equador // FMI contra o poder popular~ 7 min

Por Víctor Boaventura

O governo equatoriano de Lenin Moreno enfrenta a pior crise dos seus dois anos e meio de mandato. O país encontra-se paralisado, resultado da greve geral indefinida decretada pelos sindicatos tradicionais, com o importante apoio da Confederación de Nacionalidades Indígenas del Ecuador (CONAIE), partidos de esquerda, estudantes e organizações camponesas.

Os protestos começaram na manhã de 3 de Outubro, um dia e meio depois do presidente Moreno, ter anunciado um conjunto de medidas de austeridade negociadas com o FMI para desbloquear um empréstimo de mais de 4 mil milhões de dólares – o chamado “Paquetazo”.

Razões do protesto

A juntar aos mais de 23 mil funcionários públicos despedidos nos últimos dois anos, Moreno anunciou um conjunto de “reformas” brutais exigidas pelas elites económicas e pelo Banco Mundial.

havíamos anteriormente escrito sobre a figura de Lenin Moreno aquando da expulsão de Julian Assange da embaixada do Equador – no que se pensa ter sido o preço a pagar pelo resgate do FMI. Implicado num enorme escândalo de corrupção que beneficiou a sua família e amigos, a taxa de aprovação de Moreno é abismal.

A medida mais polémica anunciada por Moreno é sem dúvida o fim do subsídio para a gasolina e o diesel –  que se traduz num enorme aumento dos combustíveis. A gasolina “Extra” – a mais utilizada no país – passa de $1,45 para $2,41 o galão. Da mesma forma, a gasolina Eco País (extra com etanol) passa de $1,45 para $2,53 e a Super de $2,3 a $3,07.

Um claro ataque às classes populares dado que este subsídio se destina ao diesel e combustíveis extras utilizados pelos transportes públicos, escolares, de carga e veículos de médio e pequeno porte.

Lenin Moreno anunciou ainda uma nova reforma laboral que irá provocar uma redução de 20% nos salários dos contratos a prazo na função pública. Uma redução das férias de 30 para 15 dias úteis e ainda a “doação”, por parte dos trabalhadores das empresas do Estado, de um dia de trabalho cada mês.

As medidas previstas no “Paquetazo” podem ser então divididas em três grupos: aquelas que resultam da tradicional receita neoliberal de redução da despesa pública, principalmente nos gastos sociais; reforma laboral que destrói os direitos dos trabalhadores para assim permitir uma maior “flexibilidade laboral” e liberdade de actuação para as grandes empresas; e por fim as chamadas medidas pseudo-sociais que tentam amenizar, de alguma forma, a agitação social – como é o caso da eliminação ou redução dos impostos sobre as máquinas e matérias-primas agrícolas e industriais, assim como a redução de impostos sobre veículos que custam menos de $32 000.

Um país em protesto

Como resposta ao grande descontentamento popular, o governo equatoriano decretou, no passado dia 4 de Outubro, estado de excepção em todo o território nacional.

Este estado de excepção – previsto no artigo 164 da Constituição – implica que seja suspensa a liberdade de associação e reunião, a liberdade de informação e o princípio de “inviolabilidade de domicílio e de correspondência”. Permite também a intervenção militar das Forças Armadas em todo o território equatoriano e a deslocação da sede do governo.

O descontentamento popular, liderado pela Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), juntamente com suas organizações afiliadas (CONFENIAE, CONAICE, ECUARUNARI, MICC), depois de vários dias de luta, marcou uma grande mobilização para o passado dia 9 de Outubro na cidade de Quito. Milhares de indígenas saíram dos seus territórios em direcção à capital. As marchas foram recebidas com aplausos nos bairros populares.

Discurso de Leónidas Salazar, presidente do MICC

Foram abertos centros de apoio médico organizados por estudantes de enfermagem e medicina. Várias cantinas públicas e centros de apoio foram organizados um pouco por toda a cidade.

Ante a iminente chegada deste mega protesto, o presidente Moreno teve que “mudar” a sede do seu governo para a cidade de Guayaquil, bastião da direita equatoriana.

Repressão governamental

A repressão por parte das forças de segurança e exército foram brutais. Segundo a “Defensoría del Pueblo”, cerca de 5 pessoas morreram e 554 ficaram feridas, vítimas de disparos de armas de fogo, gás lacrimogéneo, bastonadas e balas de borracha. Mais de 900 pessoas foram detidas pela polícia.

As imagens da violência por parte das forças repressoras do Estado são tremendas: motos de polícias atropelam deliberadamente manifestantes; jovens são atirados desde um viaduto; polícia bombardeia universidades com gás lacrimogéneo.

Os meios de comunicação estatal e privada criaram um cerco mediático para dar voz unicamente ao discurso do governo. Minimizam as razões do descontentamento popular e acusam os manifestantes de vandalismo e roubo. Ao mesmo tempo Lenin Moreno, com a ajuda de todo o aparato de propaganda, acusa o ex-presidente Rafael Correa de estar a fomentar a agitação popular. Chega mesmo a acusar o “regime de Maduro” de apoiar uma conspiração para derrubar seu governo. Isto sem apresentar qualquer tipo de prova.

Em resposta às acusações conspiranóicas de Moreno, a CONAIE emitiu um comunicado no passado dia 7 a desmentir qualquer envolvimento com as forças de Correa. Acrescenta:

Somos povo organizado, reivindicando e exigindo direitos, com nossa própria agenda, discutida com as nossas bases e com a certeza de que somente através da luta são conquistados direitos.

Poder popular indígena

Desde o princípio, várias assembleias permanentes em vários pontos do país têm vindo a organizar e a coordenar a mobilização. Neste momento existe uma Assembleia Nacional concentrada na Casa da Cultura de Quito, em plenário permanente.

Para proteger a assembleia de ataques por parte das forças governamentais, cerca de 8 polícias foram detidos anteontem por manifestantes. Vários jornalistas ficaram retidos dentro da Casa da Cultura e alguns canais de TV foram obrigadas a transmitir em directo desde a Assembleia Nacional, numa tentativa de furar o bloqueio mediático.

Jaime Vargas, líder da confederação indígena do Equador CONAIE, disse que não haveria diálogo até que o governo revogasse o “Paquetazo” e que fossem encontrados os culpados das mortes de dois manifestantes durante as manifestações de quarta-feira.  

Vargas anunciou ainda, no discurso proferido na Casa da Cultura, a radicalização dos protestos. Prometeu “fechar as chaves de petróleo”, ou seja, bloquear os campos de petróleo localizados na Amazónia – “Se eles tiverem que me matar, que me matem.” – acrescentou.

Está a chegar a Quito uma marcha de mil indígenas, proveniente da Amazónia, que irá reforçar o contingente dos manifestantes na capital equatoriana.

Última hora: CONAIE aceita dialogar

Os vários dirigentes indígenas, depois de consultar as bases de cada território, decidiram abrir uma via de diálogo com o governo caso este aceite as seguintes condições:

  • O encontro deverá ter lugar numa província neutra.
  • O encontro tem de ser público e transmitido em directo pelas várias cadeias de televisão do país.
  • O encontro tem de contar com a presença de vários organismos internacionais independentes.
  • Devem de estar representados todos os dirigentes indígenas, alcaides, líderes sindicais, grupos de mulheres e estudantes.

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